Terapia com animais ajuda a curar traumas de crianças e jovens em situação de vulnerabilidade

A Natureza Conecta oferece sessões terapêuticas com apoio de animais co-terapeutas
Foto: Lucas Cardoso/ Mais Expressão

Por Flávia Girardi

Em uma fazenda na cidade de Itu, cachorros, cavalos, vacas, cabras, porcos e até codornas dividem um espaço com crianças e adolescentes que carregam histórias de abandono, abusos e traumas profundos. São os co-terapeutas da Natureza Conecta, uma organização social sem fins lucrativos que atua no combate à exclusão social de crianças e jovens de 4 a 20 anos, por meio da terapia assistida com apoio de animais.

Durante o episódio do podcast Os 6 Gatinhos, em parceria com o Grupo Mais Expressão, a veterinária Daniela Gurgel, fundadora da ONG, compartilhou experiências emocionantes que mostram o poder transformador da relação entre humanos e animais, especialmente no processo de superação de traumas. “O animal é o olhar sem julgamento. É o lugar seguro, que oferece amor sem pedir nada em troca.”

Um espaço de escuta e vínculo

A Natureza Conecta oferece sessões terapêuticas em grupo ou individuais com o apoio de uma equipe formada por psicóloga e pedagoga, em um ambiente que respeita o tempo e a história de cada jovem atendido. O diferencial da abordagem está na construção de vínculos afetivos entre os participantes e os animais, o que facilita o processo terapêutico e rompe resistências emocionais que, muitas vezes, impedem o acolhimento em outras formas de tratamento. “Nosso público passou por situações traumáticas, muitas vezes causadas por quem deveria protegê-los: os pais. Por isso, o animal entra como facilitador. Ele abre caminho para que, depois, os profissionais possam atuar com mais profundidade”, explica Daniela.

Entre os atendidos estão jovens que vivem em casas de acolhimento e também adolescentes da Fundação Casa, encaminhados pela Justiça para um trabalho de reconstrução emocional e social.

O luto de um menino e o galo Chico

Daniela compartilhou no podcast o caso marcante de um menino de sete anos que perdeu o pai de forma violenta e foi posteriormente adotado por uma família junto com a irmã mais nova. A mãe era alcoólatra e havia perdido a guarda dos filhos. A menina começava a se adaptar à nova família adotiva, mas o irmão, não. Ele rejeitava a mãe adotiva.

Durante uma visita, o menino se aproximou do galo Chico, um dos animais da fazenda, que estava doente e acabou morrendo. Foi então que ele perguntou à fundadora da ONG:
“Se eu abrir o olho dele, ele volta?” A pergunta, na verdade, escondia uma dor não resolvida: a morte do pai, cujo corpo ele havia presenciado. Ninguém havia explicado a ele que o pai não voltaria mais. “Apertei a mãozinha dele e disse: ‘O que faz a gente falar, sentir, viver... já não está mais aqui. Está lá em cima.’ Foi como se criássemos uma bolha ali, eu, ele e o Chico. Ele olhava para o céu, para mim, para o galo... e pensava. Depois perguntou: ‘Mas então ele não volta mais?’ E eu respondi: ‘Não. O que a gente fizer aqui, agora, não adianta mais.’”

A partir dessa experiência, o menino passou a mudar seu comportamento. Daniela acredita que ele, enfim, conseguiu viver o luto, algo que lhe havia sido negado. Com o acolhimento terapêutico e o vínculo com o animal, ele encontrou um espaço seguro para ressignificar a perda.

Terapia sem palavras

O trabalho do Natureza Conecta é, muitas vezes, silencioso. Ele se dá no gesto de escovar um cavalo, alimentar uma cabra ou simplesmente deitar ao lado de um cachorro. São nesses momentos que o trauma encontra brechas para sair e dar lugar à cura. “Esses jovens chegam muito fechados. Sofreram tanto que não conseguem confiar. O animal quebra essa resistência. Permite que eles convivam com a dor de forma natural, até com lembranças boas. Coisa que eles não tiveram quando foram arrancados de suas famílias, mesmo que negligentes”, diz Daniela.

Como ajudar

O projeto é mantido por meio de doações e parcerias. Pessoas físicas e empresas podem contribuir com qualquer valor via Pix, utilizando o CNPJ da organização: Chave Pix (CNPJ): 44.413.606/0001-24 . Cada doação ajuda a manter os atendimentos gratuitos e a alimentação e bem-estar dos animais co-terapeutas, que são parte essencial dessa rede de cuidado, escuta e afeto.

Assista ao episódio completo