Publicado em 23/09/2020 às 11h08 Estado de São Paulo Saúde
Por Dra Gesika Amorim - Médica Pediatra e Neuropsiquiatra com ênfase em saúde mental e neurodesenvolvimento infantil
Entramos em setembro e com ele temos a Campanha de prevenção ao suicídio, comemorada em várias partes do mundo, e que foi iniciada oficialmente em 2003 quando a OMS (Organização Mundial da Saúde) instituiu o dia 10 de setembro como o Dia Mundial da Prevenção do Suicídio. Por aqui no Brasil, ela e chamada de Setembro Amarelo, e teve oficialmente seu início em 2015 através da CVV (Centro de Valorização da Vida), do Conselho Federal de Medicina e da Associação Brasileira de Psiquiatria.
O que não se fala comumente, é sobre a TAXA DE SUICÍDIO ENTRE AS PESSOAS COM AUTISMO.
A falta de debate para trazer este tema à luz, faz com que até mesmo a classe médica, não tenha uma compreensão maior desse problema, ou que tenha interpretações equivocadas, muitas vezes por desconhecimento das pesquisas e estudos mais recentes sobre como identificar o paciente autista com potencial ao suicídio, ou mesmo as pesquisas que apontam que o índice de suicídio entre autistas é real e alarmante.
O que não se vê
Foi observado que, no geral, profissionais da área da saúde cometem erros muitas vezes por não considerarem as emoções complexas que os autistas possuem, ignorando que suas explosões emocionais, podem ser sinais de alerta.
“Essa incapacidade de saber interpretar esses sinais precisa ser corrigida para que possamos trabalhar na prevenção do suicídio entre os autistas. Na Realidade, existe uma dificuldade em se entender o grau de sofrimento dos autistas; Acha-se, equivocadamente, que estes podem não ter sentimentos, que não sofrem, e não podem desenvolvem ansiedade ou depressão. Porem, definitivamente isso não é real, essas crianças, jovens e adultos sofrem sim! e muito!”- afirma a Dra. Gésika Amorim, Neuropsiquiatra, Pediatra com ênfase em saúde mental e neurodesenvolvimento infantil, especialista no Tratamento do TEA.
A dificuldade de se identificar sinais indicativos de ideias suicidas em autistas é porque, como disse a especialista, os autistas se expressam de maneira diferente dos demais indivíduos que apresentam essas mesmas tendências.
Essa dificuldade de saber comunicar suas próprias emoções podem levar a situações extremamente críticas como a autoflagelação. Embora a prática autolesiva não seja uma regra para indicar a tendência suicida em um autista, ela acaba sendo um indicativo de risco aumentado.
Estudos
De acordo com os Centros dos EUA para Controle e Prevenção de Doenças, o suicídio entre adolescentes e jovens é a segunda maior causa no pais. Por volta de 6.159 jovens, entre as idades de 10 a 24 anos, cometeram suicídio em 2016.
No entanto, não há estatísticas para pessoas autistas que cometeram suicídio.
Estudos realizados nos últimos anos apontam que a intenção de suicídio entre autistas está aumentando. Apesar dessas estimativas variarem com frequência, já ficou claro que autistas são realmente vulneráveis ao suicídio.
Um estudo feito em 2015, na Suécia, concluiu que os autistas, tem 10 vezes mais chances de morrer por suicídio do que a população em geral; embora os homens sejam mais vulneráveis as mulheres autistas estão particularmente em maior risco.
Em 2014, um estudo foi publicado na respeitada Revista Lancet Psychiatry, envolvendo adultos com Síndrome de Asperger (transtorno de espectro autistas de nível 1), mostrou que 66% dos participantes confessaram pensar em suicídio e que 35% deles já tentaram suicídio em algum momento. A média entre as pessoas com TEA que detém comportamento suicida está entre 10% e 50%, segundo as pesquisadoras Magali Segers e Jennine Rawana.
“As pessoas com espectro autista reagem e interpretam o mundo de forma diferente das demais pessoas. Os desafios para lidar com situações afetivas e sociais são enormes, principalmente por não saberem interpretar e reagir socialmente de forma “adequada”. Muitas vezes, eles sofrem e tem crises pois não conseguem se expressar. O grau de estresse é muito grande e não à toa, é comum, entre os pais, confundirem birra com crise sensorial. Eles estão em sofrimento e precisam ser compreendidos e assistidos.” – Completa a Dra. Gésika Amorim.
Em outro estudo, publicado em 2017, as pesquisadoras Jacqui Rodgers e Sarah Cassidy da Coventry University do Reino Unido, mostraram que o número de pesquisas sobre suicídio entre pessoas com TEA ainda é bem pequeno, no entanto, os estudos preliminares são preocupantes. Outros pesquisadores informaram que uma das principais causas de morte prematura de pessoas com TEA é o suicídio.
PRINCIPAIS FATORES DE RISCO
-Depressão;
-Distúrbios de comportamento;
-Tendência marcante ao isolamento físico e falta de interação com outros autistas da mesma faixa etária;
-Ter um histórico como vítima de bullying;
-Situações de estresse emocional;
-Ter histórico de abuso sexual;
-Faixa etária mais vulnerável relacionada ao início da adolescência.
Em um artigo publicado na Autism Research, as pesquisadoras Magali Segers e Jennine Rawana relatam alguns métodos usados por pessoas autistas nas tentativas de suicídio, e que no geral acabam sendo mais efetivos, se comparados com outras pessoas com o mesmo comportamento suicida.
Entre esses métodos estão:
-Uso de objetos perfurantes (19%);
-Enforcamento (15%);
-Precipitação de altura ou atropelamento (13%);
-Overdose com substâncias.
“Diante da gravidade do problema, há de se buscar uma avaliação mais criteriosa para diagnosticar o potencial suicida desse grupo, principalmente depois dos 10 anos de idade, em que os fatores de risco, tornam-se mais evidentes” – diz a neuropsiquiatra Gesika Amorim.
Alguns fatores que podem atenuar os riscos de suicídio são:
-Um suporte familiar e social adequado;
-Uma adaptação adequada e efetiva e inclusão escolar;
-Maior flexibilidade cognitiva e capacidade de tolerar mudanças de padrões;
-Buscar maior habilidade para resolução de problemas da vida diária.
Esses são alguns fatores importantes além do acompanhamento de profissionais capacitados para as entrevistas e avaliações.
Outros fatores de prevenção, presentes na população geral, podem dar bons resultados, como a espiritualidade e o comprometimento religioso.
Para concluir, a neuropsiquiatra, especialista em tratamento do autismo, Dra. Gesika Amorim, diz: “O tratamento do paciente no espectro vai muito além do conseguir falar e ser funcional. É primordial que eles se conheçam, saibam lidar com sua personalidade, suas características, seus anseios e fraquezas. Todos tem direito à felicidade. Se o autista porventura demonstra sinais de e sofrimento, quaisquer que sejam, procure um especialista. Muito provavelmente ele está pedindo ajuda.”
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