Jornal Mais Expressão - Indaiatuba
Jornal Mais Expressão. Conteúdo gratuito e de qualidade!
Central de Relacionamento

Colunistas / Flávia de Genaro

Como fica a responsabilidade civil do médico, hospitais e clinicas diante do cenário envolvendo a COVID 19? Quais novidades em relação ao tema?

Postado em 09/03/2021 às 17h02


A Responsabilidade Civil está em constante desenvolvimento acompanhando a evolução da sociedade no enfrentamento dos problemas que lhes são impostos a cada dia.

Considerando os efeitos que podem surgir em virtude da Covid-19, esse universo pode ser ainda maior, pois as questões relacionadas à responsabilidade civil são muito difusas e amplas. Podem ser observados problemas relacionados à responsabilidade do médico, dos hospitais e dos fabricantes de medicamentos.

Os reflexos jurídicos da pandemia do novo Coronavírus são incertos, pois ainda não é possível determinar com exatidão o que está por vir, ou prever todos os casos passíveis de incidência de responsabilidade ou de sua exclusão. Se não compreendemos bem os problemas, mais difícil é saber as respostas para esses problemas.

Para auxiliar nessa tarefa é necessário perceber o atual estado da arte e da ciência no enfrentamento da crise. As observações preliminares indicam que não há estudos conclusivos sobre a doença, seja no que se refere ao tratamento, medicamentos, vacina... A única certeza que a ciência fornece é de que o vírus é muito contagioso, e que a doença por ele provocada pode ser muito agressiva e levar a complicações e até à morte para uma fração da população (principalmente pessoas idosas e/ou que apresentam comorbidades).

Partindo dessa premissa, o propósito deste artigo é mais problematizar e formular perguntas sobre tarefas jurídicas que nos esperam do que apresentar soluções e certezas sobre a matéria.

Para isso, parte-se dos requisitos da responsabilidade civil que podem ajudar a refletir sobre hipóteses ou situações de incidência de responsabilidade civil em virtude da Covid-19.

A avaliação dos requisitos da responsabilidade civil, especialmente no que se refere ao nexo de imputação e à delimitação do nexo causal, é relevante em virtude dos efeitos da Covid-19, pois em meio à pandemia do coronavírus, e diante da necessidade de enfrentar os efeitos da Covid-19, ganha relevo a análise do exercício da atividade do médico, os procedimentos adotados pelos hospitais e as ações dos fabricantes de medicamentos.

Nesse cenário, talvez seja prudente considerar a possibilidade de ressignificação do conceito de culpa no exercício das atividades médicas.

Para imputar a responsabilidade ao médico a sua conduta deve ser valorada de acordo com a possibilidade de agir frente às adversidades no contexto atual. Nesse sentido, é preciso considerar problemas como a de falta de pessoal, equipamentos, leitos e materiais, que possivelmente irão acompanhar o atendimento médico durante a pandemia.

Nessa direção, é possível notar algumas providências que modulam a atuação do médico. Algumas condutas que antes eram vedadas, ou que não eram recomendadas num cenário de normalidade, passam a ser admitidas e contribuem para flexibilizar as exigências em relação à atuação do médico. Por razões óbvias, isso não quer dizer que a pandemia por si só irá eximir a responsabilidade do médico na sua atuação, mas é possível afirmar, que a pandemia contribuiu para um relaxamento na exigibilidade de determinadas condutas.

 

A lei 13.989, de 15 de abril de 2020 pode ser citada como flexibilização das exigências em relação à atuação do médico. A lei autorizou o exercício da telemedicina durante o período da pandemia, relativizando a essencialidade do contato presencial com os pacientes. É um exemplo da resposta do Direito à necessidade de adaptar a atuação do médico aos novos tempos.

Outra providência que merece destaque na atuação do médico durante a pandemia é uso off label de medicamentos (medicamentos liberados pela Anvisa para outras indicações como por exemplo a Cloroquina ou Hidroxicloroquina) ou uso compassivo de medicamentos (medicamento ainda experimental que não está disponível comercialmente, não liberado pela Anvisa, como é o caso do Remdesivir - utilizado para o tratamento nos casos de infecção pelo vírus ebola)1.

Em casos de doenças novas como a Covid-19, sobre a qual ainda não há tratamento disponível, a postura do médico no enfrentamento da doença também pode ser diferente. Em alguns casos será admissível atitudes mais arriscadas no intuito de salvar o paciente. Assim, o médico pode chegar à conclusão de que diante o risco de morte, e do desconhecimento sobre o caminho mais seguro, o médico possa decidir tomar uma atitude positiva em usar um medicamento não testado adequadamente ao invés de permanecer passivo e preso por standards de conduta que não são exigíveis nas circunstâncias atuais.

A grande questão posta nesses casos é: como evitar que no futuro esse standard próprio de momentos de normalidade seja exigido em demandas futuras que questionam a atitude positiva de utilizar medicamentos off label ou compassivos? Não há como negar que a situação atual é extraordinária e pode admitir uma atuação do médico distinta da que adotava em tempos de normalidade. O cenário atual exige reflexão sobre a flexibilização e mudança dos padrões de conduta esperados.

Nesse sentido, foi a posição do Conselho Federal de Medicina que no parecer n. 4/2020 concluiu que "Diante da excepcionalidade da situação e durante o período declarado da pandemia, não cometerá infração ética o médico que utilizar a cloroquina ou hidroxicloroquina, nos termos acima expostos, em pacientes portadores da Covid -19". Destaque para a ressalva na conclusão do parecer, que considera a excepcionalidade da situação e restringe o uso do medicamento no período da pandemia.

Além da modificação do patamar de exigência da conduta médica a situação excepcional, extraordinária e inevitável (caso fortuito ou força maior), afasta a imputação da responsabilidade ainda que se adote a teoria do risco, pela caracterização de sua excludente3.

Imagine-se, por exemplo, a hipótese de um cidadão que vai a um hospital por outras razões que não a Covid-19 e é contaminado pelo coronavírus dentro do estabelecimento hospitalar. Imagine-se ainda, que se consiga fazer a prova de que essa contaminação efetivamente deu-se nas dependências do hospital. Seria possível responsabilizar o hospital? Qual é possibilidade efetiva de impedir que pacientes não sejam contaminados pelo vírus? Note-se que há estudos apontando que o vírus circula livre no ar, sendo mais frequente nas imediações de hospitais, e é por isso que as autoridades sanitárias fazem desinfecção das ruas e calçadas próximas.

 

 

 

Outro aspecto a ser ponderado é imputar responsabilidade por danos pelo uso de medicamentos e/ou vacinas para enfrentamento da doença. Seria possível responsabilizar os fabricantes de medicamentos e de vacinas pelos riscos do desenvolvimento? Mesmo para países que considerem essa responsabilidade viável, em que medida a situação emergencial que assola o mundo poderia influenciar nos contornos dessa responsabilidade? A excepcionalidade da pandemia exige dos fabricantes de medicamentos um agir rápido, e talvez apostas, na direção de uma cura ou vacina. E aqui cabe um alerta: a situação atual não se assemelha em nada a casos como o clássico caso da Talidomida5.

Para concluir este artigo, propõe-se a necessidade de um olhar cauteloso do jurista, pois os contornos tradicionais da responsabilidade civil podem sofrer interferências significativas em virtude da pandemia do coronavírus. A abertura de novas alternativas no enfrentamento da crise pode consolidar novas soluções.

Fica a dúvida se as novas soluções serão temporárias ou influenciarão irremediavelmente no futuro, algo que somente o decurso do tempo poderá revelar.

 

(Flávia Thais de Genaro, advogada inscrita na OAB/SP de n.º204.044, graduação em direito pela PUC, especialista em direito tributário pela Fundação Getúlio Vargas e Recursos Humanos pela UNIOPEC, Pós Graduada Direito do Consumidor na Faculdade Damásio Educacional com escritório profissional na Rua das Orquídeas  n.767, -sala 707- Office Premiun- Indaiatuba-SP – Telefone de contato (19)3115-3260/981219889 e-mail [email protected])



Galeria de mídia

Não há fotos e vídeos disponíveis.

Comentários

*Leia o regulamento antes de comentar

Frutos de Indaiá

O Troféu Frutos de Indaiá tem o significado de sucesso e vitória. Uma premiação pelo esforço contínuo e coletivo em direção à excelência.

Confira como foi o Frutos de Indaiá 2022.

COMPARTILHAR ESSE ITEM