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Unicamp amplia inclusão e debate implantação de cotas étnico-raciais

Ampla discussão precede a adoção de sistema; Consu define próximos passos dia 30

 Publicado em  28/05/2017 às 09h51  Campinas  Cidades


Uma das primeiras universidades brasileiras a implantar um programa de ação afirmativa, a Unicamp define nesta terça-feira (30), em reunião do Conselho Universitário (Consu), órgão máximo deliberativo da instituição, como será encaminhada a proposta de adoção de um sistema de cotas étnico-raciais pela instituição. O assunto foi objeto de três audiências públicas promovidas em 2016, organizadas por um Grupo de Trabalho (GT) constituído pela Reitoria. O GT elaborou um relatório recomendando a adoção das cotas, que foi apresentado ao Consu e posteriormente discutido nas unidades de ensino e pesquisa. Agora, o tema volta ao Conselho, que decidirá sobre como o processo de formatação e implantação do sistema será conduzido.

Na reunião da terça-feira, a Reitoria apresentará para apreciação dos conselheiros uma Deliberação Consu para tratar da política de ingresso no Vestibular Unicamp, a partir de 2019. O documento sugerirá a criação de um novo Grupo de Trabalho (GT), que se encarregará de discutir uma proposta de implementação progressiva das cotas étnico-raciais, complementada por critérios adicionais. O GT elaborará relatório com proposta concreta sobre o tema, que será amplamente debatido nas unidades de ensino e pesquisa e nos órgãos colegiados específicos, antes de seguir para decisão final do Consu, provavelmente em novembro deste ano. “Teremos cerca de seis meses para aprofundar a reflexão sobre essa questão e buscar o melhor modelo possível”, analisa o reitor Marcelo Knobel.

Na deliberação que será apresentada ao Conselho, a Reitoria informa que a Unicamp criará a Secretaria de Ações Afirmativas, Diversidade e Equidade, que responderá pela formulação, implementação, gestão e acompanhamento das políticas de ação afirmativa e combate a quaisquer formas de preconceitos no âmbito da Universidade. A Unicamp iniciou as discussões em torno das cotas étnico-raciais a partir da realização de três audiências públicas, promovidas nos meses de outubro, novembro e dezembro de 2016.

As reuniões contaram com a participação de especialistas no assunto e também de representantes de movimento sociais, de organizações ligadas ao tema e da população. As reflexões e relatos de experiências colhidos nessas ocasiões fundamentaram um relatório, no qual o GT apresentou propostas para a adoção de cotas por parte da Universidade. A principal sugestão foi a substituição do atual sistema de bonificação pelo sistema de reserva de vagas-cotas étnico-raciais para negros (pretos e pardos incluídos) e indígenas.

​De acordo com o reitor Marcelo Knobel, o trabalho realizado pelo GT anterior foi importante, porque ofereceu bases para um debate preliminar na Universidade. “A partir do aprofundamento das discussões pela comunidade universitária é que vamos decidir que caminhos seguir a partir de agora”, afirma. A ideia, segundo Knobel, é que a Universidade aprimore as ações afirmativas já existentes e incorpore também o sistema de cotas. O reitor se refere ao Programa de Ação Afirmativa para Inclusão Social (Paais), criado pela Universidade em 2004, e ao Programa de Formação interdisciplinar Superior (ProFIS), implantado em 2011. O primeiro tem por meta estimular o ingresso de estudantes da rede pública na Universidade, ao mesmo tempo em que fomenta a diversidade étnica e cultural. O Paais concede bônus nas notas das duas fases do Vestibular para estudantes que cursaram o ensino médio em escolas públicas e também aos autodeclarados pretos, pardos ou indígenas.

Como reflexo do programa, a Unicamp registrou, em 2017, uma marca histórica: 50,3% dos matriculados eram oriundos de escolas da rede pública. O ProFIS, por seu turno, assegura 120 vagas aos melhores estudantes do ensino médio das escolas públicas de Campinas. Para cada estabelecimento é convocado o candidato com maior nota no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). As vagas restantes são preenchidas seguindo a ordem de classificação no Enem, respeitado o limite máximo de dois alunos por escola. Ao terminar o ProFIS, o aluno pode ingressar diretamente em um dos cursos de graduação da Universidade sem precisar fazer o Vestibular.

Knobel observa que, além de definir que modelo o sistema de cotas terá, a Unicamp também precisará deliberar sobre outras questões importantes que estão relacionadas ao assunto. Uma delas é a formulação de um programa de permanência estudantil que ofereça suporte socioeconômico e acadêmico aos estudantes que apresentarem necessidades dessa natureza. “Nesse caso, estamos falando de auxílios nos campos da moradia, transporte, alimentação, entre outros. Todos esses pontos estão claramente explícitos no nosso programa de gestão, que foi aprovado pela comunidade universitária”, assinala o reitor.

O princípio que norteará todas as discussões e ações, acrescenta Knobel, é o de que uma universidade pública deve estar alinhada com as premissas de justiça social. “A Unicamp deve ter a sociedade representada em seu interior. Vamos analisar a melhor forma de fazer isso. A Universidade tem avançado nesse sentido. Criamos o Paais e depois o ProFIS. Agora, neste momento histórico, estamos discutindo a implementação das cotas étnico-raciais. É uma oportunidade para elaborar uma política afirmativa inovadora e representativa do protagonismo da Unicamp”, analisa o reitor.

Um aspecto que costuma vir à tona quando o tema é ação afirmativa diz respeito a uma eventual queda na qualidade do ensino, que poderia ser provocada pelas deficiências de aprendizado trazidas das escolas públicas pelos contemplados pelo programa. Determinados estudantes enfrentariam dificuldades de adaptação ao ensino superior, principalmente no primeiro ano do curso. Daí a necessidade, segundo especialistas, da formulação de uma política de permanência estudantil, que atenda não somente as necessidades de natureza socioeconômica desses estudantes, mas também as de caráter pedagógico. “Sem dúvida, a Unicamp deve zelar pelo desenvolvimento acadêmico dos seus alunos. Temos dever de acompanhar o desempenho do corpo discente e de executar ações que reduzam os índices de evasão e repetência”, considera o reitor Marcelo Knobel.

Estudioso de questões relativas ao ensino superior, entre elas as ações afirmativas, o professor Renato Pedrosa, docente do Instituto de Geociências (IG) e ex-coordenador da Comissão Permanente para os Vestibulares (Comvest), destaca que a Unicamp tem histórico no que se refere à adoção de ações de inclusão social. Além do Paais e do ProFIS, ele cita a introdução dos cursos noturnos, nos idos dos anos 1990, como iniciativas importantes nessa direção.

Na opinião de Pedrosa, a discussão por parte da Universidade sobre a adoção de um sistema de cotas é relevante, mas precisa ser feita levando em consideração diversos pontos. O docente observa que, da forma como foi apresentada, a proposta do primeiro Grupo de Trabalho carece de detalhamento, notadamente no que diz respeito ao modelo do sistema. “Ainda faltam alguns detalhamentos. A aplicação do Vestibular, por exemplo, terá que sofrer alguma mudança? Estas e outras perguntas precisarão ser respondidas”, avalia.

A adoção de um programa de cotas étnico-raciais pela Unicamp é uma maneira de a instituição responder de forma incisiva a uma demanda da sociedade brasileira, marcada por profundas desigualdades. A avaliação é do professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) Mário Augusto Medeiros da Silva, que integrou o GT que promoveu as audiências públicas sobre o tema. Ele lembra que as cotas constituem um pleito antigo dos movimentos sociais negros. “A Unicamp fez uma sinalização importante nesse sentido quando criou o Paais, em 2004, com foco na escola pública, mas tentando também ampliar o acesso dos estudantes negros. Os dados da Comvest indicam que houve sucesso em relação ao ingresso de alunos oriundos da escola pública, mas não ocorreu o mesmo com estudantes negros e indígenas”, aponta.

As cotas, prossegue o docente, não devem ser entendidas como uma medida de reparação, mas sim como um critério mais amplo de justiça social. “Esse tipo de política tem por objetivo aumentar o cenário de diversidade nos nossos campi. Começamos a fazer isso por meio de uma ação baseada em critérios socioeconômicos. Foi positivo. Agora, estamos avançando no que se refere à inclusão de negros e indígenas. No futuro, talvez avancemos ainda mais ao promovermos o ingresso também de pessoas com deficiência e do segmento LGBTT [Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais]”, conjectura.

Silva assinala que a sociedade mudou muito ao longo dos últimos anos. “Novos sujeitos sociais surgiram, e a Unicamp precisa acompanhar essa mudança, dado que essas pessoas têm o direito de estar aqui”. Fomentar a diversidade nos campi, segundo o docente, faz bem não somente para esses segmentos específicos, mas também para a Universidade. “O IFCH adotou um sistema de cotas étnico-raciais nos seus programas de pós-graduação. Isso foi muito positivo, porque permitiu o ingresso de estudantes que trouxeram novas ideias, novas perguntas, novas experiências e novas visões sobre a ciência. Se isso foi bom para o Instituto, imagine para a Unicamp como um todo?”, indaga.

Tão importante quanto ampliar o acesso de negros e indígenas, destaca Silva, é definir um mecanismo eficiente de permanência estudantil, que forneça suporte a esses estudantes, na forma de bolsas moradia, transporte, alimentação, além de auxílios psicológico, pedagógico e acadêmico, entre outros. O professor do IFCH aproveita a reflexão para discutir um ponto sempre abordado quando o assunto é a adoção de cotas: o possível impacto desse tipo de política na qualidade do ensino.

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